Páginas

Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

sexta-feira, outubro 14, 2016



JEFERSON MIOLA
A coluna Painel da Folha de São Paulo de 10/10/2016 publicou: "Um policial explica assim a multiplicação de investigações contra o ex-presidente: 'Perdemos o medo'".

A justificativa para caçar Lula não é a existência de provas concretas contra ele, mas a perda de temor e de pudor, pelos procuradores, juízes e policiais da Lava Jato, de condená-lo à revelia. Nada mais explícito sobre o regime de exceção jurídica, midiática e policial que se vive no Brasil.

O resultado da eleição de 2 de outubro encorajou os golpistas. O revés eleitoral do PT e da esquerda foi traduzido como sendo o fracasso da narrativa do golpe. O usurpador Michel Temer apressou-se em caracterizar o resultado da eleição como uma derrota da tese de golpe.

A leitura de que a urna diminuiu o tamanho da resistência democrática, turbinou a execução selvagem do plano golpista, de implodir o capítulo dos direitos sociais da Constituição, alienar a riqueza nacional e hipotecar o país.

Os golpistas têm pressa; não desperdiçam tempo político. Sabem que a ilegitimidade do governo usurpador encurta o prazo para conseguirem impor os retrocessos anti-povo e anti-nação. Precisam consolidar rapidamente a restauração neoliberal e o regresso da influência perniciosa do FMI e do Banco Mundial no Brasil.

Por isso, aceleram a agenda regressiva em matéria de direitos sociais e criam amarras institucionais, econômicas e financeiras de longo prazo, que convertem a eleição em mera formalidade. Com o aprofundamento do golpe, nas próximas décadas a sociedade não será governada por governos eleitos, mas sim pelo deus-mercado, cujos interesses estão sendo gravados e protegidos na Constituição, acima da soberania e dos direitos do povo.

Em uma semana, a oligarquia golpista inviabilizou a Petrobrás e entregou a exploração do petróleo de águas ultra-profundas para petroleiras estrangeiras. A riqueza do pré-sal, estimada em mais de 30 trilhões de dólares, é quase duas vezes o PIB dos EUA. A subtração desta renda interdita o futuro do Brasil, lesa o lucro da Petrobrás e seqüestra os recursos previstos para ampliar o SUS [25%], a educação pública [75%] e o avanço civilizatório ao longo do século.

Os deputados da base golpista também aprovaram, em primeira votação, a PEC 241, que congela por 20 anos os gastos sociais para engordar sobremaneira os juros e a dívida, hoje equivalente a R$ 900 bilhões ao ano. Em 10 anos de vigência da emenda constitucional da morte e do atraso, como é chamada esta PEC, mais de 1,5 trilhões de reais serão desviados do SUS, da educação e dos programas sociais, para serem transferidos à especulação financeira.

Inebriado com este sucesso parlamentar momentâneo, o governo usurpador decidiu antecipar o ajuste neoliberal da Previdência. E, além disso, prioriza a aprovação o Projeto de Lei nº 257/16, que condiciona a ajuda financeira a Estados e Municípios à eliminação de direitos do funcionalismo público, à promoção de arrocho salarial e ao desmonte de políticas públicas.

Com as medidas impopulares e cujos efeitos serão sentidos imediatamente, esta oligarquia colonizada dificilmente conseguirá vencer a eleição de 2018. Apesar disso, todavia, poderá continuar exercendo o poder real, porque já terá aprisionado o Estado com as reformas liberais-conservadoras do Estado de Direito e da Constituição.

As políticas que fazem o Brasil retroceder mais de 50 anos são operadas por um governo ilegítimo, reprovado por mais de 150 milhões de brasileiros, porém sustentado pela tropa montada no Congresso por Temer em sociedade com o gângster psicopata Eduardo Cunha.

Ao lado da modelagem neoliberal do Estado brasileiro, o regime de exceção aperta o passo para prender o ex-presidente Lula, à revelia do devido processo legal – afinal, admitem que "perderam o medo". Os justiceiros já revelaram que na caçada do ex-presidente, provas são dispensáveis, bastam "convicções".

A força-tarefa da Lava Jato e a mídia nem dissimulam: invalidam as delações que citam políticos do PMDB, PSDB, PP, PTB, PSD [Temer, Cunha, Aécio, Serra, Padilha, Gedel, Jucá etc] e induzem os delatores a incriminarem falsamente o Lula e políticos petistas.

A prisão do Lula será o clímax do regime de exceção. Com o resultado da eleição municipal, os golpistas se sentem autorizados a avançar o ataque aos direitos sociais, à democracia e à principal liderança popular do país.

Esta realidade fascista somente é viável com o posicionamento homogêneo da mídia – Globo à frente – para legitimar a atuação de procuradores, juízes e policiais que capturam o Estado e partidarizam o cargo e a função pública para perseguir e liquidar os adversários políticos.

Nenhum comentário:

Postar um comentário