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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

domingo, junho 23, 2013

"O ovo da serpente tem ares “doce e família”


Eu acuso: os ovos da serpente!
No meio da grande mobilização de massas um vírus, que precisa ser denunciado publicamente, apareceu no meio do caminho, como o ovo da serpente de Bergman

Sérgio José Custódio* - Brasil de Fato

O MPL, por conta de sua pluralidade, da justeza da causa, de seu compromisso com a transformação social no Brasil, sua ousadia e coragem, tem o apoio dos movimentos sociais brasileiros, da população no geral.
Vale um brinde ao MPL pela histórica vitória da redução das tarifas (“Não são só 20 centavos!”) de trens, metrôs e ônibus em muitas cidades no Brasil.
Na humildade, cabe registrar, muitos cidadãos e cidadãs, deram a cara à tapa por essa causa e foram as ruas atrás desta conquista. Porém, não nos entorpeçamos e como num embalo midiático do tipo “Pra Frente Brasil”, típico da ditadura militar, não fiquemos reféns e cegos frente a um fato alarmante, que passo a acusar.
No meio da grande mobilização de massas um vírus, que precisa ser denunciado publicamente, apareceu no meio do caminho, como o ovo da serpente de Bergman.
Se, dias desses, ao menos 77 jovens noruegueses reunidos num encontro foram mortos por um homem armado movido por ódio ao multiculturalismo na Europa e ao marxismo, uma face visível do mesmo ódio apareceu nas ruas do Brasil, fato mobilizado por forças sociais vivas e organizadas. Eu acuso: são fascistas e golpistas contra o governo do Brasil.
O MPL, pelo que se sabe, nada tem a ver com isso, bom que se diga.
Vândalos, arruaceiros, baderneiros, dentre outros xingamentos, ao longo de mais de quinhentos anos de reprodução de uma das sociedades mais desiguais do planeta Terra, são epítetos e palavras escolhidas a dedo pelas elites políticas no poder para gerar medo e reprimir com violência a luta dos indígenas que aqui estavam havia cinco mil anos ao menos, de negros e negras trazidos(as) escravizados(as) de África, de pobres camponeses, moradores urbanos de vilas, favelas, quebradas, mangues, morros, subúrbios e baixas periferias Brasil afora. Esse tratamento da questão social aconteceu em Palmares, em Canudos, na Revolta da Vacina, no Contestado, nas lutas contra as ditaduras brasileiras, em Eldorado dos Carajás, nas aldeias do Mato Grosso do Sul.
Os manifestantes pela redução das tarifas não eram vândalos, como não o era a jornalista da Folha de São Paulo atingida no olho por bala de borracha da polícia militar paulista na rua da Consolação, também não era vândalo o fotógrafo da futura press gravemente ferido no olho, nem o era o jornalista da TV Globo que levou um tiro na testa ou o repórter da revista Carta Capital por portar vinagre em uma mochila.
Não eram vândalos nem os policias que trataram o povo nas manifestações como tal. Isso era outra coisa. Eu acuso.
O vírus, o ovo da serpente, emergiu organizado do meio da massa, dos discursos de setores midiáticos, de ações filmadas e gravadas ad infinitum, em tempos de grampos eletrônicos globais.
Eu acuso a existência de espécies de personalidades jurídicas coletivas por trás de rostos sorridentes que emitem opiniões como se fora individuais nas redes sociais. Eu acuso: aí está o fascismo, aí está o golpismo, feito vírus na rede mundial.
Neymar fez bela jogada e golaço contra o México. O hino nacional foi cantado com imenso amor, a bandeira nacional tremulou, a rede mexicana balançou. Mas, a cultura da alegria do povo brasileiro com o futebol está sob uma ameaça. Não se trata só da sacanagem da FIFA, dos estádios erguidos com dinheiro necessário para áreas prioritárias do social, como a saúde e a educação. O futebol visto na copa das confederações nos envergonha enquanto nação, porque a alegria do povo é de repente sequestrada em favor de um formato de arquitetura de destruição, que empurra o povo como mero consumidor de cervejas, cartões de crédito, produtos esportivos etc. para fora dos estádios, virados em novos clubes para as elites locais com ingressos adquiridos a peso de ouro. Ao povo resta a TV ou o telão. A segregação social é nítida. Eu acuso: a FIFA expõe um lado fascista.
Nas ruas do Brasil, o mesmo hino nacional e a bandeira nacional passaram a serem apropriados por setores barulhentos como discurso uniforme a serviço de uma identidade predatória e intolerante com o diferente. Se Hitler fez sucesso manipulando o rádio e o cinema, as novidades tecnológicas da época, ao som do hino alemão, hoje, no Brasil, forças políticas organizadas valem-se das redes sociais para levar às massas o discurso de um neoverdeamarelismo claramente fascista e golpista, abusando da boa fé popular. Isso eu também acuso.
Ao trocarem a crítica necessária e inadiável aos partidos e aos políticos do Brasil, aos sindicatos etc. por uma nítida mobilização de um ódio aos partidos, aos políticos, sindicatos etc., como numa noite onde todos os gatos são pardos, essas forças sociais vivas na sociedade brasileira buscam atingir corações e mentes, ao estilo hitlerista, para criar massas uniformes sob controle unitário. Isso eu vi e acuso.
Ao buscar mobilizar o ódio contra a cor vermelha de bandeiras e camisas de variada gama de movimentos sociais buscam se esconderem covardemente atrás da bandeira do Brasil, como distinção maniqueísta entre o bem e o mal. É a pulsação fascista e golpista em franco curso no Brasil. Isso eu também vi e acuso.
Sem partidos políticos, goste-se ou não, não há democracia. Sem democracia é a ditadura. A pregação contra os partidos estava como dogma nas ruas. Mas, no manual de agitação e propaganda no meio da massa, outro ingrediente comum nos processos de golpe militar no Brasil, particularmente no golpe contra o presidente eleito João Goulart em 1964, também se viu nas ruas do Brasil: a violência artificiosamente articulada e organizada. Eu acuso: isso também se viu em vários lugares do Brasil, como na Avenida Paulista, no dia 20 de junho de 2013, e uma semana antes na Consolação com a Maria Antonia, ambos em São Paulo.
Essa violência teve episódios por dentro da corporação policial, lugar onde não se pode mais hoje descartar a hipótese da presença do vírus fascista e golpista como um ovo de serpente.
Tem outros episódios na criação orquestrada em todo o Brasil de um clima de caos, pânico e destruição das instituições estabelecidas da democracia brasileira atingindo indistintamente variados partidos e níveis de governo. Foram atos organizados. Eu acuso.
Por um lado, o ovo da serpente tem ares “doce e família”, quando sob a máscara da bandeira e do hino do Brasil para ter simpatia das massas e trânsito entre elas. Por outro lado se apresentam violentos, decididos e contumazes no uso da força física, como bons soldados da causa golpista e fascista sob um comando hierárquico definido, com estratégia e tática. Eu acuso: isso está em curso no Brasil.
Assim como Hitler precisou de defuntos famosos para impor sua força pelo medo, aqui, além da morte de um estudante jovem católico em Ribeirão Preto atropelado por um carro, uma gari também morreu vitimada por ataque cardíaco causado por bombas de gás em frente à prefeitura de Belém do Pará. Mas o processo em curso procura por defuntos famosos. Não à toa o Sr. Prefeito de São Paulo e a Sra. Presidente da República foram eleitos como os defuntos pretendidos para alimentar o ódio no Brasil e impulsionar a vitória da causa fascista e golpista. Isso eu acuso.
O ataque espetacular (para gerar espetáculo, ao gosto de Hitler na famosa destruição do parlamento alemão de 1933) ao Itamaraty em 20 de junho de 2013 não deixa dúvidas da intenção covarde contra o povo brasileiro, seus símbolos e valores mais caros, como sua representação no concerto das nações. Isso é prova inconteste que o nacionalismo é usado como mera fachada, porque quem de fato canta o hino e veste a camisa do Brasil não destruiria o Itamaraty. Jamais. Isso eu acuso.
Importa aqui acusar que a cara desse novo fascismo e golpismo não é aquela do homem de bigodinho nem dos militares de caserna de 1964. Se Hitler fez da crise do capitalismo de 1929 o asfalto para sua estrada de poder e horror, agora, a crise financeira mundial de 2008 quer colocar os Estados Nacionais e suas democracias em xeque-mate, para serem capturadas sob o domínio ditatorial de um tecnocrata do mercado financeiro globalizado, como se viu na Grécia falida e na Itália. Pode ser também um engravatado de extrema direita sorridente que se recruta em qualquer canto e se dá a devida maquiagem midiática. Isso eu também acuso.
Frente à crise econômica mundial, ao abaixar os juros no Brasil, Dilma Roussef sofreu a ira das aves de rapina do mercado financeiro globalizado. Eu também acuso. Como o Brasil não é a Islândia, as garras dos capitais sedentos por mercados passariam a buscar colocar o Brasil na parede, com o governo assediado por tenebrosas transações do mercado mundial de capitais, especulação financeira contra a moeda e a economia diuturnamente. Dois casos escabrosos são oferecidos pelos mercados: a saúde como grande mercado para fundos internacionais e a educação como outro grande mercado para marcas internacionais. Uma overdose de fusões, aquisições e intensa concentração de capitais, captação de políticos e formação de oligopólios gigantescos verticalizaram esses setores, como ocorrera com a destruição da cadeia da indústria nacional de alimentos nos anos dourados do neoliberalismo no Brasil dos anos 1990.
Ao atacar com palavras de baixo calão as mulheres feministas da Marcha Mundial de Mulheres, assim como a UNE, UBES, Levante Popular, PSOL, PSTU, PT e Sindicatos de modo generalizado, a avenida paulista e o Brasil assistiram na prática a aplicação da máxima hitlerista: estimule o ódio. Humilhe-os para provocá-los, dizia Hitler sobre os comunistas, judeus, negros, homossexuais, ciganos, eslavos, chinos. É o ovo da serpente espalhado nas ruas do Brasil. Eu acuso.
Deixar a política para os políticos profissionais e transformar a democracia brasileira numa democracia só de procedimentos, como o voto a cada dois anos em eleições, faz com que o sangue do povo brasileiro, seus sonhos e direitos sociais e políticos corra num rio paralelo ao mundo da política oficial de gabinetes, ternos e gravatas. Tal sangue é sugado para alimentar a sede das forças fascistas e golpistas. Isso eu também acuso.
Sem Reforma Política o Brasil para, porque todo mundo no Brasil já sabe que o preço de certos políticos é muito barato, fácil os trinta dinheiros romanos os compram e os põem como empregados de luxo para os mais vergonhosos apetites sobre o Brasil. Como o povo, para muitos políticos é uma mera abstração, o povo abstrato é leiloado a troco do dinheiro real do financiador da campanha em diante. Isso eu também acuso.
Por exemplo, as jogatinas políticas do setor de transportes nacionais tem um rastro histórico de muitas mortes. É o caso urgente de se proibir empresas de transportes de financiarem campanhas eleitorais para após a eleição serem proibidas de vir humilhar o povo, aumentar as tarifas, tirar-lhes o suado dinheiro do bolso, o tempo, o conforto, a dignidade humana. Isso eu também acuso.
É preciso desmentir o bordão “O povo acordou”, “O gigante acordou”. Isso por respeito a milhões de homens e mulheres que construíram a democracia brasileira, muitos deles trabalhadores que acordam muitas vezes às quatro da manhã para pegar transporte e chegar na hora do serviço. O povo não estava dormindo. O povo brasileiro sempre lutou! Sempre esteve acordado! Não somos vira-latas! Isso de bordões etéreos, feito fogos de artifício soltos ao vento e que desconsideram a história e a dura realidade das periferias brasileiras também é fascismo e golpismo. Eu acuso.
Ao ameaçarem um conjunto de jovens da periferia de São Paulo que pacificamente carregavam uma faixa que denunciava o genocídio da juventude na periferia de São Paulo, obrigando-os a enrolar a faixa, foi a intolerância que dormitava que acordou. Ao queimarem um palco histórico do samba e da cultura negra no Rio de Janeiro, os fascistas e golpistas expuseram sua cara racista. Isso eu acuso.
É que papai noel não existe. Nenhum direito social no Brasil caiu do céu, o povo lutou sempre e teve inegáveis conquistas. Assumir um discurso das elites, que sempre tacharam o povo brasileiro de preguiçoso, vagabundo etc., isso é culpar as vítimas.
As manifestações indicam inegáveis méritos, mas uma visão triunfalista e a-histórica choca o ovo da serpente e doura o enredo fascista e golpista em curso no Brasil. Isso eu também acuso.
A empáfia de certos políticos brasileiros que olham o povo de cima para baixo precisa ser denunciada. Ela transforma o povo brasileiro em números frios, gados marcados eleitorais, estatísticas de marqueteiros, números em pesquisas qualitativas, para a manipulação de especialistas de toda ordem, consultores e auditores de toda ordem que servem de cortes políticas, manipulação de gigantescos bancos de dados. Tudo isso substitui a interlocução direta com os movimentos sociais. Dessa fonte tecnocrática também bebe o mar do golpismo e do fascismo. Isso eu também acuso.
Qualquer gerenciamento de pobres como método de governo também se transmuta em um outro rio que achata a dimensão humana das pessoas no Brasil. Se o gerenciamento da pobreza gera estatísticas e fluxos, não alimenta sonhos, mas castra o sonho de uma plenitude cidadã que todo homem, toda mulher, livres por natureza, têm direito. Dessa fonte também bebe o mar de golpismo e fascismo em curso no Brasil. Eu também acuso.
Mas acima de tudo, o fascismo e o golpismo em curso no Brasil pode devorar a democracia brasileira, hoje legitimamente constituída e duramente conquistada.
É preciso superar a desigualdade social no Brasil.
Se seu coração é vermelho, não o deixe arrancarem do peito, nem o deixe fazê-lo parar de bater. A cultura da violência graça no Brasil nas vestes de cavaleiros atrás da aventura golpista e fascista. Ponha o sal nas mãos e como Gandhi convide as pessoas ao seu redor para construir um presente de direitos sociais reais e paz.
Fascistas, Golpistas: Não Passarão! É preciso dizer isso publicamente, antes que os ovos choquem!

*Sérgio José Custódio, economista formado pela UNICAMP, presidente do MSU, Movimento dos Sem Universidade. 
*Mariadapenhaneles

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